Sereia - Parte 10

Aquela estranha sensação de familiaridade tomou conta de mim quando Gin me levou ao que seria meu "lugar" em Ilhad. Era uma casa pequena, e muito intrigante, parecia feita especialmente para mim. Seu muro baixo, grade preta e um pequeno jardim, que eu cuidaria com cuidado, me chamavam. Esperavam por mim ali há anos. A porta era branca e tinha um N. G. talhado em vermelho. Não lembrei de início o que as letras queriam dizer. Gin se apressou e abriu caminho. A parte de dentro era perfeita... Parecia que eu havia desenhado e construído o lugar todo, tudo se encaixava perfeitamente, como se cada móvel fosse uma parte exclusiva do ambiente. Nunca havia sentido aquela confiança por estar em um lugar, como estava sentindo naquela hora. Como se eu pudesse fazer tudo, como se eu pudesse ser tudo. E eu podia.
-Norah? - Gin me chamou, virei distraidamente e o vi pegando uma pequena caixa que parecia talhada a mão.
-Sim?
-Isso pertenceu a todas as Sereias Mestras de Ilhad. E como parte da tradição, eu, Gin, Seu Guardião e Protetor, estou lhe oferecendo, em nome do Reino, a nossa benção e proteção.
Ele recitava as palavras como se fossem parte de um ritual. Havia segurança em sua voz. Havia confiança em cada gesto, e até sua respiração estava controlada. Como se ele estivesse esperando por isso ansiosamente, e estivesse aproveitando deliciosamente aquele momento. Como eu estava. A sensação de ser uma Sereia Mestra era incrível. Eu sentia poder no meu sangue sempre que pensava nisso. Sentia uma pressão deliciosa no fundo do estomago, que se espalhava por todo o corpo.
Ele retirou um colar com uma pedra grande e viva, como a que eu carregava no meu pescoço, mas muito maior. A minha pedra começou a se aquecer no meu peito, e foi como se as duas se chamassem. Gin delicadamente retirou o meu cordão e juntou com o que ele trouxera.
-Sua conexão com a Sereia Suprema esta feita. Sempre que estiver em perigo, ela saberá e mandará ajuda. Assim como eu sempre saberei.
Sorri. Não entendi ao certo o que aquilo queria dizer, mas sorri. Ele entregou de volta meu medalhão.
-Está feito, criança. - Gin guardou a pequena caixa que trouxera em um saco de veludo grosso e verde, depositando delicadamente sobre uma mesa de centro que estava na sala.
-Obrigada, guardião. - disse cordialmente. Me pareceu necessário cordialidade. - Essa é minha casa?
-Hum... - ele hesitou - nossa.
Passava meus dedos delicadamente em cima de uma mesa de centro, e parei quando ouvi suas palavras. O que ele queria dizer com "nossa"? Não estava realmente disposta a dividir minha casa com ele. Não entendia nem como eu podia chamar aquele lugar de "minha casa" estando somente há uns vinte minutos lá. Era como se eu vivesse a vida inteira ali, e que a casa de janela grande de frente pro mar, fosse somente uma casa de veraneio. Eu pertencia aquele lugar pequeno, seguro e feito para mim. Era meu lugar no mundo.
-Sim. Nossa. - ele sorriu. Gin era um cara realmente bonito. Seu sorisso era encantador e por um segundo, eu me distraí pensando sobre isso.  - Guardiões e Sereias vivem juntos, Norah.
-Hum... Posso pensar sobre isso mais tarde, também. - sacudi a cabeça. Alerta de assunto a se pensar depois. Como tudo ali. - ao menos eu tenho um quarto próprio? Ou dividiremos a cama também? Porque, sabe eu andei pensando, e...
-Você terá seu quarto. E vejo que já está confortável, fazendo suas piadas imorais. Você só faz isso quando se sente familiriazida, não é?
Cerrei os dentes.
-Hum... Não pense que sabe tudo sobre mim, Guardião. Está enganado.
-Você está enganada, Norah. Já disse. Te observo desde o berço. Sei cada passo seu e me lembro de cada misero detalhe... Desde suas birras por mamadeira, ou por doce quando era um bebê, até a forma que você chorou quando Leon, seu primeiro namorado te deu um pé na bunda - ele riu e eu corei. Lembrar de Leon não era exatamente legal. Cruzei meus braços - Qualé, Norah. Não precisa entrar na defensiva. E trate de desbloquear seus sentimentos. Não sinto nada vindo de você, e isso não é legal. A ligação tem que estar todo o tempo ativa. Pelo seu bem.
-Eu me viro. Amanhã conversamos... Tudo o que eu quero é tomar um banho e relaxar, Guardião. Estou cansada e minha cabeça está a mil! Poderia dormir por um milênio!
-Não seria a primeira a fazer isso. - ele sorriu.
-O que... ? Deixa. Não preciso saber sobre isso agora, certo? Onde fica o banheiro e onde é o meu quarto?
-Hum... Não mostrarei agora. Antes, tem um lugar que eu quero que você conheça.  É preciso caminhar um pouco, mas valerá a pena.
Considerei por uns segundos.
-Onde é? - perguntei, fingindo desinteresse e mergulhando no sofá marrom-esverdeado do outro lado da sala.
-No coração de Ilhad.
Aquelas palavras me estremeceram. Em uma serie de flash's eu vi uma floresta muita bonita, com uma fonte no meio. A agua era tão limpa que dava pra ver os peixes nadando lá em baixo. Era como se a água me chamasse. E então tudo escureceu. Eu arfei.
-Norah ! - Gin chamou, e de repente, tudo escureceu novamente. Acho que estava ficando de saco cheio, de tudo escurecendo.

-Merda Norah ! - Ouvi Gin gritar. Ele me segurava muito perto do seu peito, e parecia preocupado. Minha cabeça girava e eu queria vomitar.
-O que? Me solta, seu idiota! - o empurrei para longe. - Mas que saco! O que houve?! O que você fez com a minha cabeça?!
-Como assim? Do que você tá falando? - ele pareceu realmente confuso - Você simplismente criou uma bolha de ar e quase destruiu a casa! Sorte que eu te controlei!
-Não criei não! Deve ter sido você ! Afinal, conseguiu entrar na minha cabeça e me fazer ver aqueles flash's idiotas! Que saco Gin! - Me levantei depressa, colocando a mão na boca. Realmente queria vomitar.
-Flash's? - Gin ficou sério.
-Sim. Foi isso que eu disse.
-O que você viu? - sua voz era carregada. Me senti com medo. Ele estava com medo.
-Não sei. Acho que uma floresta, sei lá. Aí tudo ficou escuro e pá! Você estava quase me beijando. Só isso.
-Uma floresta? - ele sussurrou. - Havia uma fonte?
-Sim. Uma bela fonte! A fonte me chamava, eu acho. Eu ouvi. E ... Haviam peixes.
-Margot! VADIA! - Gin berrou e saiu pela porta.


Postar um comentário

0 Comentários