-Fazem seis meses.
Seis meses?!
-Sim. Fazem seis meses desde que Margot te encontrou, naquela praia e te arrastou para o mar.  - ele me olhou duvidoso. Eu estava zonza por causa dos comprimidos e não sabia dizer exatamente como o rosto dele estava.
Esfreguei a face algumas vezes, na tentativa de passar a tontura, mas nada adiantou.
-Nossa, Norah. Você é mais fraca do que eu esperava. - Gin afirmou e me segurou, colocando-me inclinada na cama. - Você deve ficar de cabeça inclinada, ouviu bem? Não se mova. Eu volto já, com curandeiras. Não se mova.
 E saiu do quarto. Curandeiras? Não tive tempo o suficiente para pensar nisso, já q desabei no chão. Gin voltou rapidamente com duas mulheres e riu.
-Norah! Você é mesmo muito fraca! - ele me apoiou de volta para a cama.
-Fico tocada, Gin. Aposto que eu não podia ter tomado aqueles comprimidos. Ninguém em sã consciência faria isso, faria? - comecei a tagarelar, meio grogue.
-Faça-nos um favor e mantenha-se de boca fechada, sim? - Gin realmente sabia ser chato.
Obedeci, enquanto as duas mulheres me deram um tipo de liquido e uma delas tocou delicadamente minha testa e sussurrou algo. Quase instantaneamente me senti menos zonza.
-Obrigado, Marília. - Gin agradeceu uma das mulheres. As duas se retiraram sem dizer uma palavra.
Pisquei várias vezes, fazendo minha visão desembaçar. Logo voltei ao normal. Quero dizer, completamente normal. Minhas pernas estavam ali, inteiras.
-Gin! - quase gritei, de entusiasmo por me ver completa.
-Vá com calma, moça. Fazem seis meses que você não se levanta. Vamos devagar...
Concordei, apoiando-me nele. Senti um cheiro familiar... Por um instante não nos movemos. Eu senti como se eu o conhecesse desde minha infância, como se ele fizesse parte de toda minha vida.
-Vamos, Norah... - ele me puxou quebrando totalmente o frenesi.
Demos um passo por vez, o que tornou a tarefa mais fácil. Minhas pernas estavam bambas e eu sentia uma fome imensa.
-Você está indo bem, querida. - Gin elogiou.
-Não me chame assim, guardião. - sibilei.
Ele se manteve calado. Minha hostilidade o estava afastando de mim, e eu estava bem com isso. Imaginei que me manter afastada de todos daquele mundo estranho, iria tornar fácil a tarefa de ir embora.
Ingenua.
Caminhamos para fora daquele quarto e entramos em um corredor com várias portas. Aquilo era uma especie de enfermaria sinistra. Gin estava sempre atento aos meus movimentos, tomando cuidado para que eu não tombasse em momento algum, mas não pronunciou uma palavra sequer. Encontramos uma porta grande e espelhada e ela se abriu. Quando saímos, senti o peito do pé esquentar e dei um pequeno salto, e foi quando eu percebi que estava descalça. Gin me olhou divertido, mas não disse nada. Continuamos a andar.
O silencio se tornou um incomodo. Me sentia torturada ali.
-Então, Guardião, quantos anos tem? - perguntei, tentando começar algo como uma conversa.
Ele riu.
-Você é uma Sereia, acabou de conhecer sua mãe biológica  quase morreu, sua vida toda foi uma mentira e o que me pergunta é a minha idade? Sério, Norah?
-Bom... A ficha ainda não caiu, Gin. Eu estou bem por enquanto... Pretendo me distrair e não pensar que sou um peixe grande e toda essa coisa de ... "coitada de mim, minha vida era uma mentira" - ironizei -   Entende?
-Um peixe? Entendo... Não diga isso em voz alta, está bem? Muitos daqui odeiam esse termo. - ele disse, confidenciando. Sorri para ele.
-Ok, Guardião. Quantos anos tem? - insisti.
-Anos humanos? Tenho cerca de 200. De baixo d'água, tenho 20.
Oi?
-Hm... legal... - tentei raciocinar, e decidi que isso seria um dos assuntos a se pensar depois. O panico não me pegaria ali, naquele momento. - Você disse que me conhecia... O quanto conhece ?
-Cada passo que você deu, desde o nascimento. - ele me olhou, de beirada, esperando uma reação alterada. Respirei fundo.
-Isso é muito tempo, Guardião.
Ele assentiu e o silencio voltou. Nós caminhamos por uma praça e sentamos em um banco feito de tora de madeira polida, em frente a um lago. Era uma ilha muito diferente... Era linda. O céu era claro e aberto, haviam muitos pássaros e pessoas normais andando. Fiquei observando enquanto passavam por nós, e olhando para tudo o que eu pudesse, tocando tudo o que estava ao meu alcance. Parecia uma criança  descobrindo as funções de um brinquedo novo. Era estranho o fato de eu me sentir bem ali, sentir segurança em um lugar que eu nunca estive antes. Era novidade demais para lidar. Dores demais para curar. Coisa demais para alguém como eu. Fraca.
-No que está pensando, Norah? - Gin perguntou, puxando-me para perto dele. A proximidade me deixou constrangida e desconfortável.
-Não tão perto, Guardião - afastei - Não estou pensando em nada, na verdade. Apenas olhando... É tudo tão lindo...
Ele riu.
-Eu posso ouvir cada pensamento seu, Norah. - ele me olhou. Essa situação parecia divertida para ele. Que tipo de entreterimento era esse?
 -Pode? - olhei duvidosa. Aquilo não me parecia certo, ou racional. Estava com medo.
-Sim. Se você deixar - ele suspirou.
-Mas eu nunca deixei. - disse firme.
-Sim, você deixou. Quando disse que confiava em mim.
-O que? Não, não Guardião. - me levantei assustada. O que aquilo queria dizer, exatamente?
-Norah, sente-se. Não faça uma cena aqui. - ele me forçou a sentar. De alguma forma, não consegui abrir a boca ou me mover. Respirei forte, lutando contra aquilo. - eu vou te soltar. Não grite. Temos ouvidos sensíveis e você uma boa voz. Concorde e eu te solto.
Permaneci ali, parada respirando forte. Ele me soltou.
-Que merda foi essa, Guardião? - disse, por meio a suspiros.
-Eu tenho controle sobre seu corpo... - ele hesitou - assim como você tem, sobre o meu.
-Não. - controlei meu surto - não, Guardião. Acho que ... Acho que já basta ! Entende ? - me levantei, meio aflita e zonza. - Eu quero ir para casa. Quero encontra Elizabeth e quero uma grande dose de chocolate. Entende? Então, isso não passará de um s...
-Não se atreva a dizer sonho. - ele me interrompeu.
O encarei durante alguns segundos. Minha garganta estava fechada, e a confusão estava exposta nos meus olhos. A dor, medo, angustia... Tudo ali, jogado no meio do meu rosto. Eu estava vulnerável, novamente. A sensação de segurança e paz, havia sumido. Me senti novamente como uma peça sobrando. Gin me encarava com uma certa dúvida. Como se eu o ofendesse com minha insegurança.
-Não me olhe assim... Leve-me para casa... - supliquei tocando suas mãos.
-Norah... Você não pode deixar Ilhad. Não agora. - ele apertou minhas palmas, antes de soltá-las. O observei enquanto levantava e me abraçava forte. O meu rosto colado ao seu peito me obrigaram a soltar algumas lágrimas. Me senti insegura e indefesa, naqueles braços grandes. Como uma peça fora do lugar. Como sempre.