Na verdade, ela guardava um pouquinho de cada pessoa que passou por sua vida. Ela era uma caixinha dos deuses, com um amor bobo, louco para sair, ela era Pandora que jamais existiu e que se contentou em ser apenas ideia, somente sonho mal sonhado de menina sabida. Ela era Pandora, mas sem surpresas, sem luz nem treva, era do seu jeito, de qualquer modo. Poderia facilmente cair e fragilmente revelar o que não era surpresa: seu medo. Esse medo é que a definia Pandora, o medo não foi presente dos deuses, veio com ela, mas foi o que a definiu Pandora, a fez perfeita, a fez humana. O medo que a deixou vulnerável é o mesmo medo que a fez forte.
Ela não nasceu, foi inventada, pintada e imaginada. Ainda moça teve a infância descoberta, na velhice não morreu e nem morrerá, Pandora não nasce, renasce, não morre, descansa, não cansa, brinca. Ela é como chuva de setembro, temporal de outubro... Começa fina, branda, se torna forte, violenta, difícil e logo termina, pode ser brava, mas quando passa dá gosto de procurar o arco-íris, o sorriso em seu rosto. Ela é um arco-íris, com a mania de chegar depois da dor, espera a chuva passar, age como se fosse sorriso, e é.
Não tem passado. Acredita que quem olha passado não tem futuro. Ela não tem que tentar ser livre, mas quer... Ela precisa, porque até mesmo a perfeição pode mudar e se tornar presa em si própria.