-Norah? - Ouvi chamarem. - Norah?
-Hm...? - respondi por meia voz.
-Está bem? Consegue abrir os olhos? - Tentei reconhecer quem era, mas não consegui de primeira.
-Sim. - Respondi e tentei obedecer. A luminosidade me incomodou bastante, mas me acostumei em alguns instantes. O que havia acontecido ?
-Pode se sentar? - Eu vi quem estava na minha frente. Era Gin.
-Sim. - Me apoiei nos braços e me sentei devagar. Minha mente clareou e eu me lembrei de coisas estranhas. Teria sido um sonho?
- Como se sente? - Gin perguntou, aproximando-se de mim. Ele estava de bermuda bege e blusa rosa em V. Cabelo levemente bagunçado e olhos pedintes. Vendo-o tão próximo de mim, pude constatar : não foi um sonho, algo aconteceu. Meu corpo dolorido e a cabeça levemente zonza me evidenciavam isso.
- Estou viva. É o suficiente, certo? - respondi sem prazer algum. Estava focada demais em saber o que havia acontecido. Foi quando levei um choque : minhas pernas. Onde elas estavam ?!
-Calma, Norah ! - Ele tocou meu rosto delicadamente, numa tentativa de me estabilizar. Mas, por quê ?
-Eu... Minhas pernas. Onde... ? O que é isso ?! - Eu me dobrei de forma que pudesse tocar o novo "órgão" ( posso chamá-lo assim? ) que eu possuía da cintura para baixo. Uma cauda estranha. Tinha a textura que lembrava bastante uma cor metálica. A toquei rápido e pesadamente, e acabei cortando minha mão - Ai ! - aquilo parecia uma faca tamanho Família.
-Não faça isso, tola! Você tem muito veneno armazenado na cauda. Não o despeje em si mesma. - Ele me orientou.
-Veneno? Quem é você? O que eu estou fazendo aqui? Onde está minha mãe? Meu pai? O que está havendo? Onde estão minhas pernas? Onde estou? Quando posso voltar? Quero minha casa ! Agora! - surtei.
-CALMA. - Ele ponderou olhando firmemente para mim, obrigando-me a manter a calma. Me senti como uma criança indefesa. Odiei aquilo. Tentei me levantar, mas ele se pôs em cima de mim, impedindo qualquer movimento. Seu cabelo, um tanto longo, tocou meu rosto. Olhei para ele. Seus olhos eram penetrantes... Me assustavam. Ele estava próximo demais.
-Não há nada de "calma", senhor Gin. Ou seja lá você quem for ! Acho que você não entendeu o que eu quis dizer, não é? Vou repetir bem devagar para que você possa acompanhar! - Disse olhando da mesma forma. Nunca fui muito de abaixar a cabeça para pessoas desconhecidas. Não era ali que isso mudaria. - Eu quero ir para casa. E eu vou. Agora. Mas para isso, você tem que me dizer onde eu estou. Depois disso, não se preocupe, você não verá minha cara novamente!
-Quem me dera. Você não está sendo petulante demais? Isso é perigoso para você. E, sim, é Gin. Gin de Match. Mas espero que você se refira a mim como : O seu Guardião. Visto que eu a salvei. - Ele disse, devolvendo meu desafio e se afastando de mim. Que cara desaforado.
-Guardião? Guardião do que? Espero que fique claro que eu nunca pedi para ser salva. Principalmente por uma pessoa como você. - disse secamente enquanto tentava me movimentar naquela espécie de cama.
-E você acha que eu pedi pra ser o seu Guardião? Estive muito satisfeito protegendo somente Anne Bell! Então não me venha com essa, sua... Criança ridícula que não sabe... - Ele foi interrompido.
-Gin!
Uma mulher muito bonita entrou naquele lugar, então pude reparar onde eu estava. Parecia uma casa totalmente artesanal. As paredes pareciam de troncos grossos e firmes de madeira envelhecida. Tudo tinha um divertido tom verde e azul, que se misturavam no chão e no teto.
-Mil desculpas. - Ele se desculpou, abaixando a cabeça. Quem era ela, pra receber tanto respeito e devoção de um ser tão petulante?
- Está tudo bem. Eu esperava que o contato de vocês fosse assim. Tal qual, o meu será. - Ela se virou para mim - Sou Anne Bell. - reverenciou.
Anne Bell? Esse nome...
-Sou Norah. - disse secamente analisando-a. Ela era realmente bonita. Bem alta. O cabelo longo e escuro, bem liso. Lembrava muito o meu. Senti como se eu a conhecesse.
"E conhece." Algo sussurrou dentro de mim. Meus olhos me denunciaram, quando saltaram de susto. O que foi isso? Decidi fingir que nada aconteceu.
-Norah. - Ela disse com um tanto de pesar na voz. Algo me chamou bastante atenção nela : Sua perna esquerda estava sangrando. Mas começou a sangrar quando ela entrou, ou antes? Não sabia dizer. Havia um corte profundo que ficava bem a mostra por conta do short leve que vestia. Seu rosto estava coberto por um óculos, mas vi vestígios de sangue no rosto. Ela parecia ter saído de uma guerra.
-Você esta bem, Anne Bell? Margot... ? - Gin a perguntou, hesitando e se aproximando dela.
-Margot? Vocês a conhecem? - perguntei, fitando Gin. Seus olhos prendiam os meus. Me senti estranha. Oprimida por aqueles dois. Senti uma amargura vinda de ambas as partes, e o alvo disso, claramente era eu.
- Sim. Aliás, conhecíamos. - Anne Bell afirmou com um certo orgulho na voz - Duvido que ela sobreviva.
- Você a matou?! - Gin se horrorizou. Anne o olhou, quase o censurando. Minha presença ali não favorecia a conversa.
-Sim. Eu espero. Margot se rebelou contra Ilhad. Isso é inaceitável, e você sabe. A Lei não será contestada.
-Sim, Senhora - Gin abaixou a cabeça.- E o Guardião?
- O que está havendo? Quem é você?! - recomecei o interrogatório.
- Não pretendo me demorar aqui, Gin. - fui ignorada - Não vou poder perder meu tempo explicando os fatos. Faça-o você mesmo. Sobre o Guardião, os anciões devem se anunciar.
-Ela é petulante. - ele retrucou.
- Mas é a sua Mestra. Aceite isso. Considere o que teve comigo como um treino. Está na hora de eu resgatar meu guardião. O tempo de exílio já passou. Agradeço muito o que fez por mim, Gin. Nos encontraremos em breve. A mantenha em segurança. Protege-a. Lembre-se que a vida dela, é a sua. A sua angustia, é a dela. E não a minha. Sinto muito, mas é a Lei, não há o que mudar. - Senti dor em seus olhos. Que tipo de ligação eles possuíam? Do que diachos ela estava falando ?!
-Anne Bell... - ele tentou protestar, mas rapidamente voltou ao seu devido lugar, de cabeça baixa e imparcialidade na voz. Por alguma razão, eu me sentia arrasada. Meu peito apertava e eu quis chorar. - Como quiser, Rainha.
Anne Bell assentiu e se retirou.
-E agora? O Senhor Ignorante vai me dizer o que está havendo? - disse realmente irritada.
-Sim, Senhora Não-Posso-Esperar-Um-Segundo.
Eu continuava sentindo uma depressão estranha. Que sensação era aquela? Vinha de mim?
-Diga.- pedi, com a voz um pouco baixa. Aquela sensação estava pesando sob meus ombros.
-Primeiro: você é a herdeira ao trono, a Princesa de Ilhad. - sua voz era impassível. Seus ombros estavam como os meus, meio baixos. Sua expressão era de imparcialidade, mas seus olhos me revelavam o contrário. - Segundo: Anne Bell, a Rainha de Ilhad, é sua mãe, não aquela humana. Qual era o nome dela, mesmo? Elizabeth?
Ele deu um sorriso de lado e isso me irritou. Qual era a graça de falar de Elizabeth? E como assim ela não era minha mãe?
-Não há graça. Há fatos. Ela é sua mãe. Aceite.
Fiquei imóvel, encarando seu rosto. Tive um medo estranho de repente, uma sensação de rejeição imediata. O que era aquilo, droga?! Me sentia manipulada.
-Você sente o que eu sinto. Dividimos de uma mesma alma, ou algo assim. Nunca prestei atenção ao que me falavam sobre isso, não acho legal. A rejeição que sente agora, é a que eu tenho por você. A aversão a sua pessoa, me torna fraco. Você me torna fraco e incapaz de proteger Anne Bell.
-Não diga como se fosse minha culpa. Aliás, isso tudo não passa de um son...
-Não se atreva a dizer "sonho". - ele me encarou. Não consegui tirar os olhos dele.
Nos encaramos, e seu sentimento de repulsa aumentava.
-O que eu te fiz? Roubei sua amada de você? Não me culpe, Match. Até agora eu não sei onde eu estou, ou o que eu sou. Não sei se devo acreditar em tudo isso. É tudo confuso demais. E eu não confio em você.
-Confia. Você confia sua vida a mim. Acredite - ele disse de uma forma calma, sentando-se em uma cadeira marrom, de madeira polida perto da cama onde eu estava. Ele quase se jogou na cadeira, de uma forma descontraída demais, como se nos conhecêssemos a anos.
Fiquei calada, observando seu rosto. Estava imparcial enquanto me olhava. Sua calma me incomodou um pouco, mas eu sabia que não era dessa forma que ele se sentia, mas como eu sabia? O que ele disse sobre dividir almas, fazia um pouco de sentido. Explicava porque eu me sentia segura com ele por perto. Mas, eu devia acreditar? Estava ficando cansada de perguntas.
-E eu de respostas. - ele me olhou, esperando algo.
-Eu tenho perguntas demais, e você respostas demais. O que acha de uma troca? - falei depois de alguns minutos de silêncio.
Ele não disse nada, apenas balançou a cabeça.
-Onde eu estou?
-Ilhad.
Certo. Ilhad.
-O que é, "Ilhad" ?
-Uma ilha - ele achou divertido.
-Uma ilha? Eu estou em uma ilha?
-Sim. - ele não desgrudou os olhos de mim, em momento algum.
-Posso ir lá fora? Sabe, ter certeza. - pedi.
-Sim. - ele disse e se levantou, aproximando-se de mim. Instintivamente, eu me esquivei para o lado. Ele riu, e se virou para pegar algo num grande armário polido que estava no canto, enquanto isso comecei a me levantar. Assim que encontrei o chão, fui com toda coragem me por em pé, e logo em seguida, minha cara estava grudada no solo frio.
-Norah! Você tem uma cauda, não duas pernas ! - Gin riu de mim e quando terminou sua gargalhada deliciosa, me ajudou a levantar e sentar novamente na cama.
-Muito divertido. Oh, isso me faz lembrar : Que merda é essa?
-Isso? É uma cauda. - ele disse, naturalmente, terminando de me por para sentar.
-Ah, sim. Uma Cauda. - revirei os olhos - e o que isso esta fazendo em mim?
-Eu já disse. Você é uma Sereia. E não qualquer Sereia, mas a Herdeira do Trono de Ilhad.
-Hum... - respondi, pensando. Quê?!
-Você está pensando demais. Não faça isso. Não será bom para você... Venha, tome isso. Vai fazer com que sua cauda se contraia.
Ele me deu alguns comprimidos. Olhei para ele, duvidosa. Era sério?
-Tome logo. Talvez você fique tonta.
-Tem outra maneira?
-Sim. Você espera até que a cauda sinta vontade de se contrair. Pode demorar alguns dias, já que sua mutação foi tardia. Ela provavelmente vai querer respirar um pouco.
Que estranho. Hesitei. Eu poderia simplesmente estar sendo sequestrada, ou sei lá o que. Eu não podia confiar nessas pessoas.
-Tome logo. E sim, você pode confiar em nós. Ou apenas em mim, o que é mais sadio no momento.
-Como você faz isso? - me assustei.
Já disse. Eu e você dividimos a mesma consciência. 
-Não gostei disso.
-Acredite, nem eu.
Peguei os comprimidos e tomei. Não senti nada diferente no primeiro minuto. Cerca de cinco minutos depois, meu corpo começou a formigar e eu me senti zonza. Minhas pernas tremiam e a cauda começou a ficar distorcida, ou era minha visão? Estava confusa. Antes mesmo que eu pudesse perceber, minhas pernas estavam no lugar de sempre. Eu vestia o mesmo short que usava quando saí de casa, a algum tempo atrás. Opa! Quanto tempo fazia?